COBRANÇAS


Trabalho realizado em 1994, no Âmbito da Cadeira de Contabilidade e Finanças do Mestrado em Estatística e Gestão de Informação do Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação da Universidade Nova de Lisboa


Nota: este trabalho foi publicado parcialmente, na Revista FORTUNA em Abril de 95, 4 págs


INTRODUÇÃO


            A ideia para este trabalho surgiu na sequência de uma das aulas da cadeira de Contabilidade e Finanças em que o problema das "Cobranças", foi um dos temas abordados. A forma como o assunto foi exposto, suscitou alguma curiosidade na medida em que era defendida a posição de, actualmente, as Cobranças serem um dos factores que mais condicionam a vida de uma empresa. Os argumentos apresentados apontavam para um aumento crescente do prazo médio de recebimentos bem como das dívidas incobráveis em que as causas para tal facto estariam relacionadas, em termos gerais, com uma certa retracção económica, associada a um aumento do desemprego e consequente dificuldade de satisfazer compromissos financeiros e ainda como vertente negativa das campanhas agressivas de promoção das compras a crédito. Foi ainda referida a tendência para o agravamento desta situação e da sua crescente importância relativa face a outras áreas da gestão, até agora consideradas de maior importância tais como vendas, publicidade, etc.

 

            Face a esta perspectiva, de certo modo surpreendente, surgiu a ideia de consultar a base de dados em CD-ROM de que o ISEGI dispõe, contendo os artigos integrais de centenas de revistas estrangeiras na área da gestão desde 1988, para pesquisar este tema tentando não só caracterizar com mais alguma profundidade a questão das Cobranças bem como obter informações úteis, na perspectiva das empresas que se defrontam com este problema, que lhe permitam fazer frente.

 

            Sai fora do âmbito deste trabalho, uma análise pormenorizada da realidade portuguesa que embora importante, exigiria uma investigação demorada. No entanto, sempre que possível foi feita uma comparação e em muitos casos, uma adaptação a essa realidade.


 

 

O PROBLEMA E AS SUAS CAUSAS

 

            O problema das Cobranças não é, naturalmente, uma questão recente. Desde sempre que houve no mundo comercial, dívidas em atraso e incobráveis. Porém, recentemente, o panorama geral tem vindo a sofrer algumas alterações.


            O primeiro factor a ter em conta tem provavelmente a ver com uma mudança de mentalidade dos diversos agentes económicos em jogo no mercado. Antigamente as empresas eram fortemente personalizadas e a existência de dívidas em atraso punha directamente em causa a imagem e a pessoa dos seus responsáveis. Hoje em dia, pelo contrário, quer em termos pessoais quer em termos empresariais, existe uma maior flexibilidade na forma como a questão é encarada, em grande parte devido ao facto de as empresas serem muitas vezes entidades anónimas e também por ser uma situação de certo modo generalizada o que faz com que muitos casos passem despercebidos.

 

            Por outro lado, a actual conjuntura económica propicia, em certos países, um agravamento deste problema. A tão divulgada retracção ou recessão económica produz o efeito imediato de retirar às empresas e às pessoas capacidade económica e desse modo aumentar a dificuldade em satisfazer os seus compromissos financeiros.

 

            Assim, em termos muito genéricos poder-se á considerar que em relação aos países ocidentais, a dimensão que o problema das cobranças atinge é uma resultante destes dois factores : mentalidade e conjuntura económica. Veja-se o seguinte exemplo : em 1990 o prazo médio de pagamentos (no mundo empresarial) era de 78 dias na Grã-Bretanha de 54 nos Estados Unidos e de 48 na Alemanha.

 

            Embora estas sejam provavelmente as causas genéricas do problema torna-se necessário analisar mais pormenorizadamente outras causas e consequências mais concretas.

 

            Existe, hoje em dia uma noção muito real de que quanto maior for o prazo médio de pagamentos e menor o de recebimentos, mais benefícios uma empresa terá na medida em que se conseguir que o primeiro seja maior que o segundo, estará a financiar-se através dos seus fornecedores (virtualmente sem juro) em vez de se estar a financiar por um banco com elevadas taxas. Esta ideia faz com que em certas situações, o aumento do prazo médio de pagamentos seja considerada uma boa política financeira. Porém, na perspectiva de quem com esse facto está a aumentar o seu prazo médio de recebimentos, já o problema toma um aspecto diferente.


            As consequências de um aumento do prazo médio de recebimentos, bem como de dívidas incobráveis (estão os dois geralmente correlacionados) traz efectivamente graves consequências para uma empresa, nem sempre directamente visíveis para o seu gestor. Acontece por vezes que só quando as empresas se dão conta de que embora o seu volume de vendas tenha aumentado, os lucros diminuíram, é que o problema se revela em toda a sua dimensão.

 

            Tal deve-se ao custo escondido que está por trás deste problema. O primeiro custo que as empresas têm de suportar é, desde logo, o que resulta da necessidade de financiamento das suas vendas a crédito. Partindo do princípio que os negócios são feitos numa base de pagamento a 30 dias, tal facto deveria ser considerado aquando do estabelecimento do preço dos produtos. Mas não só. Num caso em que o prazo médio de recebimentos seja do ordem dos 78 dias (como era o caso da Grã-Bretanha em 1990), o custo dos 48 dias adicionais deveria igualmente reflectir-se nos preços praticados. Se uma empresa tem por exemplo um lucro de 10% em relação à facturação e se financia a 18 %, isso irá custar-lhe 2,4 % dessa facturação, ou seja 24% do seu lucro. Além disso, se o prazo médio de entrega do IVA for de  60 dias, este terá igualmente que ser financiado pela empresa durante um período de 18 dias.

 

            Um segundo custo tem a ver com os custos administrativos e operacionais da empresa. Quanto mais uma empresa se empenhar numa cobrança, mais tempo e dinheiro são gastos, quer esse trabalho seja desempenhado por pessoal da empresa, que poderia estar a executar outras tarefas, quer por outro tipo de pessoal externo.

 

            Em terceiro lugar, há o custo directo das dívidas realmente incobráveis. A sua percentagem em relação às vendas é já em geral significativa, quer em Portugal quer noutros países da CEE. A sua tendência, no entanto, será para aumentar na medida em que o número de empresas em processo de falência e de pessoas desempregadas venha igualmente a aumentar.

 

            Finalmente há o custo gerado pela inflação que teve lugar entre a data da venda ou fornecimento de serviço e a data de recebimento. Assumindo um atraso de 48 dias e uma inflação a 8 % ao ano este custo será de cerca de 1% do total da facturação.

 

            Todos os anteriores custos considerados, poderão ascender a um valor da ordem dos 50 % dos lucros. Este custo poderia ainda ser francamente aumentado se fosse considerado o custo de oportunidade de todos aqueles investimentos que não irão ser feitos por falta de disponibilidade financeira e que iriam ser responsáveis pelo crescimento futuro da empresa.

 

            Directamente relacionado com a evolução deste problema está também o crescimento, não só em Portugal, de grandes empresas com enorme capacidade financeira e consequente possibilidade de determinar quase unilateralmente os termos de pagamento. É o caso típico dos hipermercados que não só têm uma enorme força negocial como possuem uma excelente engenharia financeira, hábil em passar custos dissimulados para os pequenos fornecedores através do estabelecimento de prazos alargados (tipicamente 90 dias). Os pequenos fornecedores, interessados em aumentar a quantidade e regularidade dos seus fornecimentos, frequentemente subavaliam os custos que estão a associados a esta situação.

 

            Tradicionalmente, o crescimento dos problemas de cobrança, são também em parte atribuídos a uma tendência global, já antiga em países como os Estados Unidos, para um aumento da pressão sobre os consumidores para as compras a crédito ou mais concretamente, a prestações. O incentivo a "Alugueres de Longa Duração", "Leasing", utilização de cartões de crédito, créditos automáticos, "Contas-Ordenado", etc, associada a campanhas de marketing agressivas, levam os consumidores particulares, em especial, a serem  tentados a ir para além das suas reais possibilidades económicas. Os problemas agravam-se quando este tipo de consumo, possui custos dissimulados, em que o caso dos carros é um bom exemplo. Finalmente, quando por algum motivo (por exemplo, situações de desemprego) o total das receitas de uma família se reduz inesperadamente, estão criadas as condições para que haja compromissos financeiros que deixam de ser cumpridos.

 

            Uma outra face desta questão é a que se prende com a legislação existente bem como com o funcionamento dos tribunais. É por demais conhecida, a falta de eficiência e celeridade com que o problema das dívidas em atraso e das faltas de pagamento, é  tratado em termos legais. A legislação existente também não contribui significativamente para resolver os problemas. Numa das referências bibliográficas (4) é sugerido que fosse obrigatório que antes de este género de casos irem a tribunal, a quantia envolvida, fosse depositada à sua guarda. Tal facto, evitaria que também o tribunal fosse usado como mais uma maneira de adiar o pagamento. Propõe ainda que as associações empresariais se dessem ao trabalho de inquirir os seus associados sobre os "piores pagadores" e que fosse disponibilizado o acesso a essa informação.

 

            Embora os pagamentos atrasados estejam directamente relacionados com as dívidas incobráveis, podem-se considerar dois assuntos com especificidades próprias. Convém por isso ter uma ideia do modo como se encontram relacionados. 

 

                    

             O gráfico apresentado revela uma sondagem encomendada pela "Commercial Collection Agency Section of the Commercial Law League of America" em 1993 e representa a probabilidade de uma dívida vir a ser paga após a expiração do prazo de pagamento. A sua análise levanta desde logo uma questão pertinente, na perspectiva do empresário que deseja cobrar a sua dívida : Quando desistir da cobrança ? É uma questão difícil que nem sempre é equacionada correctamente. Apenas quando o benefício previsto (compensado pela probabilidade de se vir a realizar) superar o custo esperado ?Alguns autores pensam que se deve ir sempre até ao fim (com algumas excepções, evidentemente), quanto mais não seja por uma questão de imagem que dissuade outros potenciais prevaricadores. Será uma questão abordada no próximo capítulo.

 

            Apesar do panorama sombrio apresentado, deslumbra-se na literatura consultada algum optimismo. A recessão parece estar a ser ultrapassada e as empresas estão mais conscientes da existência deste problema. Se tal é verdade para alguns países como os Estados Unidos ou a Grã-Bretanha, não o será provavelmente para Portugal. Não só não se sabe muito bem se a recessão existe ou virá, como muitas empresas não parecem estar suficientemente preocupadas com o assunto. Uma referência importante nesta matéria é a Espanha. Se bem que a sua situação em termos de taxa de desemprego e até talvez de mentalidade possa diferir um pouco da portuguesa, os indicadores são preocupantes uma vez que é um país em que a questão  das dificuldades de cobrança assume enormes proporções. Parece pois sensato, que os gestores portugueses não só dêem uma maior atenção ao assunto actualmente, como se preparem para um futuro próximo. O capítulo que segue irá tentar dar uma contribuição nesse sentido.

  

 

SOLUÇÕES PARA O PROBLEMA

  

            Torna-se necessário desde logo distinguir dois diferentes tipos de medidas que um gestor deve considerar ao abordar este problema.  : as preventivas e as reactivas. As primeiras que, usando termos em voga em Gestão se poderiam também designar por proactivas, destinam-se a tentar reduzir o prazo médio de recebimentos bem como os incobráveis antes de o acto do crédito propriamente dito se tenha verificado ou seja, as medidas e princípios que se devem considerar como forma de reduzir a probabilidade de vir a enfrentar este tipo de problemas. Quanto às medidas reactivas, destinam-se a combater o problema já depois de se ter constatado a sua existência ou seja, como reacção a uma situação de pagamento atrasado ou mesmo de não recebimento. Como suporte das medidas apresentadas, a empresa terá que estar organizada e possuir um sistema de informação adequado, conforme será abordado no final. 

 

 

            Medidas Preventivas

             Antes de mais, um gestor deve ser capaz de saber exactamente quanto lhe estão a custar os recebimentos em atraso. Como referido no capítulo anterior, os custos estão por vezes dissimulados pelo que o seu real valor deve entrar em consideração não apenas como o custo financeiro associado à indisponibilidade de fundos ou necessidade de financiamento externo  mas também com os custos operacionais e com o efeito da inflação. Já em relação ao custo de oportunidade, o raciocínio não é evidente. Seja como for, os valores que venham a ser efectivamente considerados devem reflectir a estrutura específica de uma determinada empresa, tendo no entanto  cuidado de não deixar que se reflictam sobre esta análise, as ineficiências da empresa. Se uma empresa se encontra mal dimensionada quanto à estrutura de pessoal e outras que tem disponível para tratar deste tipo de assuntos, não é conveniente que se estabeleça uma regra simples do tipo : dividir os custos totais de um determinado centro de custo pelo número de recebimentos em atraso sob pena, não só de sobrevalorizar o problema como, de esconder uma outra área a necessitar de intervenção.

 

            Associada a esta questão encontra-se a de saber, quais os recursos a atribuir à função das cobranças ou seja, até que ponto se deve levar o esforço de melhorar o seu funcionamento de uma forma geral ou mais concretamente, de cobrar uma determinada dívida. Mais uma vez, a resposta terá que ser considerada numa perspectiva sistémica directamente relacionada com a estratégia da empresa, a imagem que pretende transmitir, o ramo em que opera, etc.. De uma forma geral no entanto, poder-se-ia apontar para uma análise custo-benefício alargada. Tal consiste em começar por saber com rigor quanto o problema está a custar à empresa e quanto irão custar as medidas subsequentes. Seguidamente comparar esses custos com  o benefício que se espera obter, entrando em linha de conta com outros benefícios de valor acrescentado relativamente a outras vertentes, tal como melhoria da imagem ou mesmo, dissuasão de futuras situações semelhantes.

 

            Entrando em aspectos mais concretos, poder-se-á começar por referir as vantagens em determinar um padrão comum entre os clientes que apresentam problemas de pagamento. Embora se trate de uma tarefa que terá que ser sempre adaptada às especificidades de uma determinada empresa poder-se-ão estabelecer algumas regras gerais. Quando os clientes são outras empresas há que estar atento a sinais de aviso, tais como :

 

frequentes mudanças dos gestores e sua inacessibilidade

recusa em responder a questões associadas ao processo de crédito

excessiva irritação face aos telefonemas e outros contactos de cobrança

pagamentos com cheques pré-datados

-  informações de mau comportamento obtido junto de outros fornecedores

mudança frequente de bancos com que operam e pagamentos parciais ou desorganizados das dívidas.

 

            Quando os clientes são pessoas, poder-se-ia estabelecer um padrão semelhante.

 

            A existência de um bom impresso a preencher pelo cliente aquando do início do processo de crédito parece também ser uma boa medida preventiva. Poderá haver vantagens em obter a colaboração de um advogado durante a sua concepção, uma vez que uma das funções desse impresso será a de facilitar o processo de cobrança litigiosa em caso de esta se vir a verificar. Em termos genéricos o impresso deverá conter os seguintes campos a preencher pelo cliente (5) :

 

            - Nome, morada, número de telefone e caso se trate de uma empresa, do tipo de sociedade, grupos económicos a que pertença e ano de início de actividade.

 

            - Referências comerciais incluindo nomes, números de telefone e moradas.

 

            - Bancos e números de conta com que trabalha

 

            O impresso deverá ainda referir que em caso de processo litigioso relativo ao não pagamento de bens ou serviços, a comarca a utilizar será a correspondente à da cidade em que a empresa opera.


           Talvez este conjunto de medidas possa parecer um pouco exagerado e causar nalguns clientes algum embaraço no entanto poder-se-á raciocinar do seguinte modo : as empresas com perspectivas de virem a não cumprir as suas obrigações poderão efectivamente sentir-se incomodadas e nesse caso não só terá um efeito dissuasor como mesmo que reduza as vendas, será compensatório. As empresas sem problemas terão até orgulho em saber que receberão boas referências por parte das entidades que vierem a ser contactadas. O principal óbice apresentado pelos gestores face à adopção deste tipo de medidas tem a ver com o eventual efeito negativo sobre as vendas. Porém, o que está precisamente em causa é que não são as vendas o objectivo e a essência do processo comercial , conforme muitas vezes se considera, mas sim as cobranças.

 

            A informação contida nesse impresso ou de uma forma geral, a situação de uma empresa a quem se vai ser concedido crédito, deverá ainda, quando os montantes envolvidos o justifiquem, ser conferida junto de empresas especializadas nesse tipo de informação. A Dun & Bradstreet por exemplo, a operar em Portugal, efectua um Credit Rating  às empresas em geral, o que permite estimar a probabilidade de o processo de crédito vir a  decorrer sem problemas.

 

            Ainda durante a fase inicial do processo de venda a crédito, haverá toda a vantagem em que as condições em que esse processo se irá verificar, sejam explicitamente dadas a conhecer ao cliente. Deve-se evitar a todo o custo, ter que contrapor ao argumento apresentado pelo cliente de não ter sido devidamente informado. Do mesmo modo, deverá obter-se junto do cliente com exactidão os termos que deverão estar contidos na factura que lhe irá ser apresentada. Verifica-se frequentemente a necessidade de as facturas conterem um determinado grau de detalhe ou indicações específicas de outra natureza e que caso não sejam desde logo estabelecidas, poderão causar atrasos provocados por devoluções e reenvios. Dentro da mesma filosofia de actuação, convém também manter o cliente permanentemente informado de quanto está a gastar. Esta questão é especialmente importante em alguns tipos de negócio. É extremamente desagradável confrontar o cliente com um valor que não esperava, ou possa afirmar que não estava à espera, e em consequência de tal facto ter que renegociar as condições de pagamento.

 

            A implementação de sistemas de prémios para pagamentos a pronto ou dentro de um curto prazo pode, qual tal for possível, produzir bons resultados. Os termos em que tal se venha a processar, depende mais uma vez da situação concreta de uma determinada empresa. Uma das referências bibliográficas consultadas ( apresenta como sendo uma experiência extremamente relevante, o facto de a enorme maioria das empresas holandesas e alemãs para as quais exporta os seus produtos, pagarem num prazo de 14 dias se lhes for dado um desconto de apenas 2% (4).

 

            Antes de passar às medidas reactivas há referir um pormenor importante : as facturas devem ser enviadas aos clientes, no máximo até dez dias após a data de referência do crédito, seja a data de entrega de um bem ou da prestação de um serviço. O desleixo neste pequeno ponto induz no cliente, de igual modo, uma atitude de relaxamento.

         

 

 

            Medidas Reactivas

             Uma vez constatado o facto de um determinado cliente estar atrasado no cumprimento das suas obrigações há que dar início a um processo, que valerá a pena tentar caracterizar em termos gerais.


             Um processo de cobrança, poderá consistir tipicamente em enviar uma primeira factura seguida de uma 2ª via e posteriormente de 3 a 5 cartas de aviso. A primeira factura, conforme já referido, deverá ser enviada até dez dias após a data de referência do crédito. A 2ª via, 30 dias após a primeira. A primeira carta de aviso deverá ser enviada dez dias após a 2ª via e, se se tencionar enviar uma série de cartas, um período de dez dias entre cada uma parece ser apropriado.

 

            No entanto, o envio de cartas de aviso não é a única reacção possível a um cliente que não respondeu a uma 2ª via da factura. Algumas das alternativas serão abordadas posteriormente, mas por agora convém analisar algumas das suas características desejáveis.

 

            Uma carta de aviso é uma comunicação escrita dirigida ao cliente como consequência do seu incumprimento financeiro e que deve ter como objectivo fundamental o de levá-lo a pagar. Poder-se-á de certo modo comparar esta atitude com a que preside ao conceito de vendas, cujo objectivo é a de levar o cliente a comprar. A atitude de cobrança quando substituída por algumas técnicas e princípios de marketing e de vendas conduzem geralmente a bons resultados.

 

            Tendo presente que cada carta enviada tem um custo associado (não apenas directo) e que a concepção do modelo dessa série de cartas de aviso deverá ser submetida à apreciação de um advogado, eis algumas ideias a ter em consideração (3) :

 

- A carta deve ser curta, da ordem dos três parágrafos.

- Deve ter um objectivo : informar o cliente de que se pretende que este pague o que deve e que se espera que o faça nesse próprio dia, informação esta que deve estar contida no primeiro parágrafo.

- Deve informar explicitamente a quantia que se pretende receber incluindo, quando for caso disso, os custos de mora.

- Na parte final da carta poderão ser enunciadas as vantagens em proceder rapidamente ao pagamento nomeadamente, no que diz respeito a evitar custos de mora e de evitar a inscrição da empresa ou pessoa na lista de maus pagadores.

- Enviar um envelope com o porte pago. Tal como nas vendas, pretende-se facilitar a acção do cliente.

- Deve criar a sensação de urgência utilizando palavras tais como : hoje, de imediato, urgentemente, etc.

- O tom da carta deve ser estritamente comercial, evitando ameaças que não se esteja preparado para efectuar, desculpas por estar a reclamar o pagamento ou frases humorísticas.

- A linguagem deve ser simples e clara contendo ideias concretas sem termos linguísticos rebuscados

- Cada carta deve ser distinguível das anteriores utilizando por exemplo diferentes cores para os sobrescritos.

            A utilização do telefone como meio de entrar em contacto com o cliente e levá-lo a cumprir a sua obrigação, constitui também frequentemente uma boa solução, quando utilizado apropriadamente. Muitas das regras atrás enunciadas aplicam-se igualmente nesta situação. Convém no entanto referir alguns pormenores (17) :

 

- Antes do telefonema, o processo do cliente deve ser revisto nos seus pormenores

- Quem efectua o telefonema deve saber antecipadamente com exactidão, os termos em que está disposto a negociar e a ceder

- Ir direito ao assunto

- Fazer uma abordagem personalizada

- Ouvir o cliente

- Ser firme mas flexível

- Não discutir, ameaçar, ficar aborrecido ou perder a dignidade

- Obter do cliente uma promessa específica quanto a uma data de pagamento

             Relacionado com este ponto há que reflectir sobre quais as pessoas que devem estar envolvidas no processo de cobranças atrasadas. É um aspecto naturalmente dependente de toda a filosofia global de actuação mas que merece uma referência particular pela constatação de que as diversas referências consultadas fazem, de muitas vezes as diferentes fases do processo não estarem a cargo das pessoas devidas. Em termos gerais poder-se-á afirmar que se deve tentar estabelecer um compromisso, por vezes difícil de alcançar, entre por um lado envolver pessoal de escalões inferiores como forma de reduzir o custo associado ao processo e por outro de tentar dar uma certa importância ao assunto. De qualquer modo, as pessoas envolvidas não deverão por princípio encontrar-se no topo da cadeia hierárquica de modo a que exista sempre uma "reserva" que sirva de referência negocial e possa intervir em caso mau encaminhamento do processo.


            Um tipo de serviço em grande expansão é o das "Agências de Cobranças Difíceis". À partida é uma boa ideia. Entregar a uma empresa especializada,  a resolução de questões que saem fora do âmbito normal, é um bom princípio que se poderia até integrar dentro do recente conceito de "Outsorcing". Desde logo porém, a expressão "Cobranças Difíceis" gera no imaginário da maioria das pessoas, ideias bizarras. Por esse motivo, um gestor deve considerar cuidadosamente esta possibilidade. Este tipo de empresas cobra normalmente os seus honorários numa percentagem sobre as dívidas envolvidas havendo muitas vezes uma taxa fixa mínima, mesmo para as cobranças sem sucesso. Porém o custo efectivo pode ser muito maior que este, se da sua contratação resultar uma imagem negativa para a empresa contratante.

 

            Um tipo de serviço semelhante, mas sem a anterior carga negativa pode ser prestado pelas empresas de Factoring. A ideia é a de, uma determinada empresa poder obter junto de uma sociedade de factoring, num prazo de 48 horas, cerca de 80% do valor respeitante à facturação recente e esta posteriormente efectuar a cobrança junto dos clientes. O factoring permite deste modo, transformar as vendas a prazo em vendas a dinheiro. É um serviço com um carácter financeiro, um pouco à semelhança do conceito de desconto de letras.  A legislação em vigor estabelece como comissão máxima pelo serviço de cobrança sem adiantamento uma comissão de 3% sobre o valor da factura encontrando-se no Decreto-Lei nº 56/80 de 18 de Março a definição do quadro jurídico deste tipo de sociedades. Parece ser um negócio em franca expansão e estas empresas encontram-se normalmente associadas a grupos financeiros como é o por exemplo o caso da Heller Factoring ou da Totta Factor, a operar em Portugal. O mesmo género de serviço pode ser obtido junto de empresas como a Dun & Bradstreet que consegue conjugar duas vertentes do mesmo problema. Por uma lado fornece informação de Credit Rating e por outro efectua a cobrança ou seja, as empresas sentem-se fortemente motivadas a pagar as suas dívidas sob pena de virem a ser mal cotadas por essa mesma empresa que posteriormente divulgará a informação.

 

            O recurso a agências de advogados, surge também tradicionalmente como uma alternativa. Quando se trata de cobrar uma determinada quantia significativa envolvendo um cliente específico e que esteja em causa mais do que um atraso de pagamento, o recurso a um advogado ou agência de advogados, torna-se quase imprescindível.  Porém, as situações mais frequentes e que se encontram mais no âmbito deste trabalho, dizem respeito a um conjunto permanente e rotineiro de recebimentos atrasados de pequena ou média dimensão. Neste caso, o recurso a advogados é mais discutível. Por princípio, seguir a via litigiosa em tribunal é uma solução demorada, cara e ineficiente. No entanto o tipo de serviço prestado por um advogado ou grupo de advogados, pode servir como uma como uma forma de persuasão bastante eficaz. Uma simples carta enviada por estes ao cliente, informando-o de que o processo relativo à divida que este possui em atraso lhes foi entregue e que tencionam accionar os mecanismos legais à sua disposição para recuperarem a dívida, pode produzir efectivamente bons resultados. Deste modo, o ou os advogados funcionam como uma espécie de agência de cobranças havendo no entanto que ter em consideração uma aspecto muito importante já referido anteriormente : que não devem ser feitas afirmações que não se tencionem cumprir sob pena de perda total de credibilidade o que obriga portanto a que, caso o cliente insista em não pagar, se dê seguimento ao processo judicial.


            A questão de envolver ou não os vendedores no processo de cobrança, suscita uma grande variedade de opiniões. Não existe com certeza uma resposta definitiva, até porque esse envolvimento pode assumir uma série de diferentes formas. É no entanto, um aspecto que o gestor deve considerar, pelo que convirá reflectir sobre algumas das suas vantagens e inconvenientes.  Em termos gerais, é conveniente que exista uma estreita colaboração entre os vendedores e os encarregados das cobranças. É também conveniente que a relação entre o vendedor e o cliente se estabeleça numa base positiva o que pode ser difícil de coexistir com a atitude da cobrança. Os próprios vendedores sentem-se também muitas vezes desconfortáveis ao fazê-lo e podem sentir tendência a desleixar-se quer na cobrança propriamente dita quer na angariação de novos clientes. Corre-se ainda o risco de o cliente associar o vendedor com a cobrança e começar a evitá-lo, com evidentes reflexos negativos sobre as vendas. Muitas vezes, a relação entre o vendedor e o cliente demora muito tempo a ser construída e pode ser posta em causa quando o vendedor muda a sua atitude. Há no entanto que ter em conta que os vendedores são em geral pessoas habituadas a gerir bem as relações humanas, pelo menos melhor do que as pessoas ligadas às cobranças, o que pode facilitar o processo. Uma atitude possível por parte do vendedor pode ser a de se dirigir junto do cliente e pôr o problema numa perspectiva de o ajudar a encontrar soluções para o pagamento e não propriamente de efectuar a cobrança. No entanto, a maioria das referências consultadas aponta para uma predominância dos aspectos negativos em relação a esta questão.          

 

CONCLUSÕES

             É por demais conhecido, o carácter contingencial  e sistémico da arte de bem gerir pelo que as sugestões aqui apresentadas carecem de duas importantes considerações. Primeira, que nenhuma delas, por si só ou em conjunto, resolve o problema das cobranças de uma empresa. Devem ser integradas numa estratégia global de actuação da empresa de acordo com a sua cultura e com o mercado em que opera. Segunda, que as técnicas que venham a ser implementadas sejam devidamente suportadas pela Organização e pelo Sistema ou Sistemas de Informação em funcionamento.

 

            Muitos dos artigos consultados põem uma grande ênfase na necessidade de automatizar procedimentos através da implementação de Sistemas de Informação que permitam, de certo modo cumprir e fazer cumprir os bons princípios enunciados. É um tema muito vasto e que poderia ser abordado numa perspectiva de "reengineering".

 

            Resta apenas recomendar que as aplicações informáticas não enviem cartas dizendo "Se não pagar o que deve, entregamos o seu caso a um ser humano" (11).

 

  

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

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