Reflexões sobre Ética

 

 

É costume, de acordo com a nossa tradição cultural, aceitar como válidos, os raciocínios e argumentações que cumpram as regras formais da lógica. Mesmo em temas que partem de princípios subjectivos ou não demonstráveis, como por exemplo a teologia, o cumprimento dessas leis constitui um pilar da sua estrutura e desenvolvimento.

 

Podemos incluir as análises custo-benefício, numa perspectiva alargada da argumentação lógica e cuja definição simplista seria a de que face a duas soluções para um determinado problema, aquela que apresentar objectivamente um saldo mais favorável entre vantagens e desvantagens, será uma solução considerada melhor e portanto preferível.

 

À partida, esta regra não deveria ter excepções. Se, de facto, uma solução apresenta um conjunto de vantagens/desvantagens melhor que outra, em que circunstâncias fará sentido optar por outra ou outras?

 

Um exemplo muito explícito, ainda que mórbido, é o seguinte: consideremos o problema da existência de uma eventual doença infecciosa, afectando a espécie humana, mortífera e transmissível através do contacto, à semelhança de vários casos reais, passados e actuais. Suponhamos ainda que, num determinado momento, a nível mundial, existe um certo número de pessoas infectadas, número esse que todos os especialistas na matéria seriam unâmimes em que iria, a prazo, crescer significativamente.

 

Numa fria análise custo-benefício seria defensável e até preferível, a solução de simplesmente ‘eliminar’ todos os elementos infectados num determinado momento, uma vez que estes seriam certamente os agentes da transmissão da doença aos futuros afectados, realizando-se deste modo uma grande ‘poupança’ de vidas.

 

Este exemplo, bastante desagradável, mas elucidativo, evidencia uma situação que embora evidentemente inaceitável, poderá ser de difícil contestação, fora do plano ético.

 

Talvez possamos arriscar uma definição de Ética como sendo a área do saber que se debruça sobre todas aquelas situações em que as análises do tipo custo-benefício não se podem e/ou devem aplicar.

 

Uma forma de validar esta abordagem do conceito de Ética consiste naturalmente em verificar a sua aplicabilidade às questões que actualmente se considera estarem incluídas no seu âmbito. Uma passagem superficial por várias dessas questões poderia, desde logo, induzir uma conclusão favorável no entanto, antes de entrar na análise de alguns casos práticos, valerá a pena estabelecer uma das principais consequências a retirar desta abordagem, caso se verifique a sua validade.

 

Para além das vantagens inerentes a uma formalização do conceito de Ética, a principal ilação a retirar desta abordagem, é a de poder estabelecer que se uma determinada questão se insere, ainda que intuitivamente, no campo da Ética, então, argumentações do tipo custo-benefício realizadas no âmbito da sua análise, devem ser encaradas com reservas. Isto significa, em termos práticos, que os pontos de vista enunciados durante a discussão dos temas éticos deverão ser condicionados por uma restrição à aplicabilidade do referido conceito de custo-benefício, tão intrinsecamente constituintes de uma argumentação lógica tradicional.

 

Alguns casos práticos :

 

-       quando relativamente ao tema da pena de morte se argumenta que a execução de um condenado induz, em termos estatísticos, uma redução de futuros crimes, será este argumento válido?

-        quando relativamente ao aborto se refere que a sua liberalização permite uma redução do número de acidentes resultantes de abortos clandestinos e portanto uma melhoria do saldo global de vantagens e desvantagens, será este argumento válido?

-      quando num caso de separação de gémeos ‘colados’ se procede à sua separação, com a consequente morte de um deles, com a argumentação de que caso não fossem separados, morreriam os dois, será este argumento válido?

 

Poderíamos ir ainda mais longe se afirmássemos que o tema da Vida, de um modo genérico, é uma questão ética e portanto no âmbito da não aplicação do conceito custo-benefício.

 

E se no conceito de vida incluírmos a vida não inteligente, e a Natureza de uma forma global, então muitas outras questões se levantam, que a título de exemplo, se poderão indicar as seguintes:

 

-   as medidas de erradicação da BSE ou da febre aftosa, que passam pela exterminação maciça de animais, estarão correctas, ainda que perfeitamente defensáveis numa perspectiva de análise custo-benefício?

-      será correcto justificar permanentemente as decisões de conservação da natureza através da necessidade de desenvolvimento sustentado e benefício da humanidade a longo prazo, numa clara atitude de custo-benefício, ou será que a própria natureza possui uma dimensão ética, com uma valor e ‘dignidade’ que dispensam esse tipo de justificações, claramente insuficientes?