F R A C T A I S  -  A LINGUAGEM DO CAOS

 

 

INTRODUÇÃO                   

 

 

Os Fenómenos Caóticos, bem como a Geometria Fractal, têm sido nos últimos anos, alvo das investigações de muitos cientistas em todo o mundo. As técnicas fractais em particular, mais do que um ramo da Matemática, têm-se revelado uma ferramenta extremamente útil a muitas Ciências, mesmo as Sociais, permitindo uma linguagem comum entre especialistas de diferentes áreas.

Num universo despovoado de formas geométricas perfeitas, onde proliferam superfícies irregulares, difíceis de representar e medir, a geometria fractal apresenta-se como um meio de tratar aqueles fenómenos até agora considerados erráticos, imprevisíveis e aleatórios, numa palavra, caóticos.

O atrito, a turbulência de uma massa de ar, ou o crescimento de uma população, são exemplos de sistemas dinâmicos não-lineares sobre os quais esta 'Ciência do Caos', através do uso de formas fractais, se debruça, encontrando-se indissociavelmente ligada aos computadores com a sua elevada velocidade de processamento e capacidades gráficas, a cuja inovação e beleza não podemos ficar indiferentes.

A aplicação prática dos fractais é cada vez maior, constituindo uma maneira nova de encarar a realidade e também uma ferramenta científica de enorme alcance que agora está a dar os seus primeiros passos, podendo mesmo prever-se que dentro de pouco tempo, venha a ser incluída regularmente no curriculum de vários cursos, tendo em conta a larga disseminação de computadores nas escolas. No entanto, aquilo que mais contribui para a sua divulgação é certamente a espectacularidade das suas imagens que no mínimo se podem considerar intrigantes e bizarras.

A intenção dos autores, não é a de abordar o assunto de uma maneira formal, mas tão somente, transmitir algumas ideias e princípios que permitam apreender alguns dos conceitos chave, atrair a curiosidade para o tema e, quem sabe, constituir um ponto de partida para futuras investigações pessoais.

 

 

 

CONSIDERAÇÕES GERAIS

 

 

A palavra 'Fractal' criada em 1975 por B. Mandelbrot deriva do Latim, 'fractus', o adjectivo de 'frangere', que significa 'quebrar' e constitui a palavra-chave de um tema que pode ser encarado sob vários pontos de vista.

Torna-se portanto necessário, começar por uma panorâmica geral sobre o tema, referindo em termos gerais as diferentes perspectivas segundo as quais o podemos encarar.

 

 

Perspectiva Matemática

 

Os fractais constituiram certamente uma surpresa e até mesmo um abalo para muitos matemáticos. De repente, viram-se confrontados com técnicas e imagens que, se por um lado eram altamente sugestivas, por outro, não conseguiam ser justificadas nem englo­badas em situações anteriormente conhecidas. Assim, ao mesmo tempo que uns, com a ajuda do computador, e guiados pela sua intuição tentavam encontrar sentido nos resultados que obtinham, outros, esforçavam-se por produzir definições e demonstrações em termos matemáticos tradicionais. Deste ponto de vista, é de conceitos matemáticos que se está a tratar, pelo que qualquer outro método de abordagem, poderia até vir a ser considerado menos sério.

Há portanto, quem considere a geometria fractal como um ramo da Matemática, com muitas das suas propriedades e demonstrações já estabelecidas e que apesar das suas particularidades, se integra perfeitamente no vasto e sólido edifício da Matemática.

 

 

Perspectiva Lúdica e Artística

 

Este é concerteza o aspecto que mais atrai as pessoas para o assunto. É por assim dizer, a sua 'imagem de marca'. Qualquer um que possua um PC com uma placa gráfica razoável, pode através das técnicas fractais produzir imagens verdadeiramente espectaculares. São extremamente belas, atraentes e profundamente intri­gantes, permitindo a intervenção criativa de cada um a fim de produzir o seu próprio fractal. Além de abrir espaço à criativi­dade através da atribuição de cores, dimensões e perspectivas às imagens, mais do que isso, permitem a descoberta de novas ima­gens, sempre diferentes, uma vez que os fractais, são por definição, infinitos. Cada imagem pode ser sucessivamente amplia­da, desvendando a pouco e pouco os seus 'padrões de rendilhados infinitos', juntando por isso os factores de surpresa e expecta­tiva cada vez que uma nova imagem fractal é gerada. Há mesmo quem aproveite para criar verdadeiras obras de arte, cenários com paisagens de outros planetas para filmes de ficção ou ainda,'música fractal'.

De qualquer maneira, e apesar de os algoritmos que geram essas imagens serem relativamente simples, a quantidade de operações que o computador tem de realizar, é de tal modo elevada que mesmo com um coprocessador matemático, isso pode demorar várias horas.

No manual de um programa de fractais podemos ler : 'Não nos responsabilizamos pelos transes intermináveis que inflija a si próprio'.

 

 

Perspectiva Filosófica

 

Uma das questões que já há muito atrai pensadores e cientistas é a que põe frente-a-frente duas maneiras distintas de enca­rar o Universo. Uma, a determinista, que considera que se num determinado momento conseguíssemos abarcar a informação sobre a posição e velocidade de todas as partículas que constituem o Universo, então poderíamos prever com rigor absoluto, o que se iria passar nos instantes seguintes, e por isso, o futuro.

A outra, fortemente apoiada na teoria quântica, que afirma existir obrigatóriamente incerteza relativamente à posição e velocidade simultâneas de um átomo, dando lugar à existência de fenómenos aleatórios e imprevisíveis.

Relativamente a esta questão, a Ciência do Caos, traz uma lufada de ar fresco, respondendo à maneira de Poincaré em 1903, com a noção de 'elevada sensibilidade a variações das condições iniciais' conforme será abordado no capítulo Caos.

Uma outra questão de grande importância, relaciona-se com a habilidade de os simples algoritmos que constituem os fractais, representarem os fenómenos naturais. Com determinados fractais podemos produzir paisagens com montanhas, rios ou nuvens, com outros produzimos arvores ou folhas e com outros ainda, poderíamos gerar 'estranhas criaturas aquáticas' de um realismo preocupante.

Este tipo de questões e muitas outras, podem levar-nos a pensar, até que ponto, os princípios em que a Geometria Fractal se baseia não serão eles próprios, os princípios pelos quais se rege todo o Universo.

 

 

Perspectiva Prática

 

É a partir da referida aptidão para representar fenómenos naturais, que surgem as principais aplicações práticas dos frac­tais. Enunciaremos de seguida alguns exemplos :

- Aproveitando as características fractais de certas ima­gens, torna-se possível proceder à sua compressão, codificando em algumas regras simples toda a informação que contêm. Michael Barnsley desenvolveu sistemas que permitem compressões com razões até 10000 para 1 demonstrando esses mesmos sistemas através de uma sequência de 40 minutos de imagens, contida numa diskette de 1,4 MBytes.

- A superfície dos elétrodos de uma bateria, com a sua porosidade, possuem em termos gerais, uma característica tipica­mente fractal que é a de manterem uma 'auto-semelhança' para diferentes escalas de ampliação. Tal facto, vai afectar as interacções químicas e físicas que se processem em contacto com essa superfície modificando as leis tradicionais, tornando-se necessário o recurso a técnicas fractais.

- A criação de paisagens de outros planetas foi largamente utilizada em filmes como o 'Regresso de Jedi' ou 'Star Trek - 4'.

- Pode-se ainda referir a aplicação ao estudo de diversos fenómenos geológicos, nomeadamente na cartografia de falhas sísmicas.

 

De entre as várias perspectivas apresentadas, qualquer que seja a que mais nos atraia, temos de reconhecer a Geometria Fractal, como uma matéria multidisciplinar de grande interesse pelo que tentaremos expôr o assunto de uma forma abrangente.

 

 

 

 

RESENHA HISTÓRICA

 

 

Se tivéssemos que escolher uma data exacta para o começo da história dos fractais, optaríamos provavelmente pelo ano de 1975, em que Benoit Mandelbrot criava a palavra 'fractal' e preparava já a sua primeira obra sobre o assunto. Há no entanto uma série de acontecimentos anteriores, que que sem os seus protagonistas o saberem, abriram caminho para que essa iniciativa pudesse surgir. É pois, por essa 'pré-história' que começaremos.

Entre a segunda metade do séc. XIX e a primeira do séc. XX, foram sendo propostos vários objectos matemáticos com características especiais e que foram durante muito tempo consid­erados 'monstros matemáticos', já que desafiavam as noções comuns de infinito e para os quais não havia uma explicação objectiva. Cantor(1845-1918) que se evidenciou com as suas ideias altamente inovadoras sobre o infinito, colocou o problema de uma linha à qual se removeria o seu terço médio, seguidamente o terço médio de cada um dos segmentos restantes e assim sucessivamente, geran­do uma 'poeira' que sendo infinita, possuiria um comprimento total igual a zero. De igual modo, seria em 1904 apresentada a curva de von Koch que será alvo de uma análise mais detalhada no capítulo 'Geometria Fractal', e que sendo uma linha rodeada por uma área finita, possuiria um comprimento infinito.

Também em 1918, Gaston Julia e Pierre Fatou, viriam a apre­sentar um trabalho sobre processos iterativos envolvendo números complexos que mais tarde viriam a ser conhecidos como 'Conjuntos de Julia', mas que por na altura, as capacidades gráficas serem muito limitadas, não produziram qualquer imagem. No entanto, todos estes objectos matemáticos possuíam algumas características comuns aos fractais. Para além de bizarros e de conterem em si em si elementos infinitos, eram de certo modo iguais a si próprios quando ampliados. De referir ainda, a importância de um grande matemático, Poincaré (1854-1912) que foi provavelmente o primeiro e compreender e expôr a noção de Caos, bem como um sem número de outros homens de Ciência que estabeleceram os princípios que estariam na base da descoberta dos fractais.

Foi no entanto, a partir da segunda metade deste século, que os acontecimentos se começariam a suceder cada vez mais rapida­mente. Edward Lorenz, um meteorologista americano dedicava-se em 1961, apoiado por um computador tanto quanto possível evoluído para a época, à ingrata tarefa de aumentar a fiabilidade das previsões meteorológicas. Certo dia, quando tentava repetir uma experiência, se enganou nos números que deveria introduzir no computador, truncando-lhe as suas casas decimais, deu-se conta de que os resultados finais eram significativamente diferentes dos que havia obtido anteriormente. Julgando inicialmente tratar-se de algum outro problema que desconhecia, viria a constatar que de facto, pequenas alterações dos valores iniciais provocavam enormes discrepâncias finais. A este fenómeno seria dado o nome de 'Efeito de Borboleta' pela possibilidade simbólica de o bater de asas de uma borboleta em Pequim poder provocar um tufão em Nova Iorque.

Pouco tempo depois, já na década de 70, James Yorke viria a encontrar nos trabalhos de Lorenz a chave para os problemas sobre os quais se debruçava, dando ao Caos o seu nome e juntamente com outros como May ou Hoppensteadt, divulgaria esta nova Ciência acabada de criar.

Chegamos então à altura em que, as condições estavam criadas para o aparecimento de uma figura invulgar como Benoit Mandel­brot.

Mandelbrot, que nasceu em Varsóvia em 1924 e se refugiou com a família em Paris em 1936, apesar de ter feito os seus estudos básicos de uma forma irregular, ingressou na École Politechnique a fim de receber formação universitária. æ data, imperava uma determinada maneira de estar que venerava o rigor e disciplina mentais como forma de encarar a Matemática, onde mesmo os gráficos eram banidos, pressupondo-se que o verdadeiro matemático não se deveria deixar influenciar pela componente subjectiva de uma imagem e que, antes pelo contrário, deveria conter em si uma capacidade de abstracção, que aliada a uma notação devida, lhe permitiria produzir um trabalho rigoroso e honesto.

Mandelbrot porém, era totalmente avesso a este espírito. Em 1952 doutorou-se em Matemática pela Universidade de Paris e em 1958 emigraria uma vez mais, desta feita para os Estados Unidos, iniciando uma carreira pouco vulgar no Thomas J. Watson Research Center da IBM. Estudou a variação dos preços de algodão, desen­volveu um trbalho relacionado com a transmissão de ruído em linhas telefónicas, ensinou em Harvard e investigou a teoria dos jogos entre muitas outras actividades que se por um lado eviden­ciavam o seu ecletismo, por outro acusavam uma certa instabili­dade, como que à procura de alguma coisa. Em particular, Mandelbrot debruçou-se sobre um problema antigo que questionava qual era efectivamente o comprimento de linha de costa de um país, o que como veremos adiante, contem alguns aspectos interessantes.

Esta e outras questões, estiveram na origem de toda uma teoria inovadora que viria a culminar no primeiro livro de Man­delbrot em 1977, que porém, não seria bem recebido pela comuni­dade científica. Só em 1982, com a publicação de 'The Fractal Geometry of Nature', este sairia do anonimato.

Entretanto, durante a década de 70, a Ciência do Caos dava importantes passos. Michel Hénon, um astrónomo do observatório de Nice, influenciado pelos trabalhos de Lorenz, estudava fenómenos caóticos associados à trajectória de estrelas através de uma galáxia. Mitchell Feigenbaum do Laboratório Nacional de Los Alamos, a partir de equações simples, chegava a estranhos resul­tados sobre o comportamento de determinadas funções quando utili­zadas de forma recursiva sendo conduzido tal como o Lorenz, Hénon e outros aos chamados 'atractores estranhos'.

Simultâneamente, Mandelbrot não desistia de divulgar as suas teorias e tentava controlar os acontecimentos com a sua persona­lidade reconhecidamente egocêntrica que frequentemente provocava atritos, quanto aos nomes e méritos a atribuir às descobertas que se iam sucedendo. No entanto, uma coisa é certa, a Geometria Fractal' ia-se impondo como a 'Linguagem do Caos'. De referir ainda a contribuição do matemático John Hubbard que encarando o método de Newton segundo uma nova perspectiva e a de Michael Barnsley, inventor do 'Jogo do Caos', viriam a influenciar deter­minantemente o desenvolvimento da Geometria Fractal tal como a conhecemos hoje.

Muitos dos nomes atrás referidos, nomeadamente Mandelbrot, com os seus colaboradores e admiradores, encontram-se ainda hoje na vanguarda dos acontecimentos e constituem o motor do seu desenvolvimento.

 

 

 

 

CAOS

 

 

Este é um campo extremamente vasto que abrange diversas áreas da Ciência, pelo que limitar-nos-emos a expôr sucintamente algumas ideias básicas. Começaremos por citar Poincaré, que em 1903 brilhantemente expôs as suas ideias sobre o assunto (A palavra 'caos' como hoje a entendemos não era ainda utilizada).

 

"Uma causa muito pequena que escapa à nossa atenção provoca um efeito considerável que não podemos deixar de observar, e dizemos então que o efeito se deve ao acaso. Se conhecêssemos exactamente as leis da Natureza, e a situação do Universo no momento inicial, poderíamos prever exactamente qual a situção desse mesmo Universo num instante posterior. Mas mesmo se aconte­cesse que as leis naturais deixassem de ter segredos para nós, poderíamos, mesmo então conhecer a situação, apenas de modo aproximado. Se isso nos permitisse prever a situação seguinte com a mesma aproximação, o que é tudo o que precisamos, diriam que o fenómeno tinha sido previsto, que é controlado pelas leis conhe­cidas. Mas isto não ocorre sempre : pode acontecer que pequenas diferenças nas condições iniciais dêem origem a outras muito grandes nos fenómenos finais. Um erro pequeno no anterior, irá provocar um enorme erro no posterior. A previsão torna-se impossível, e temos assim, o fenómeno aleatório."

 

Quando pretendemos estudar um qualquer fenómeno natural, iremos provavelmente desejar conhecê-lo o melhor possível a fim de podermos prever o seu comportamento, sendo assim levados a tentar representá-lo quer através de um modelo físico, quer de um modelo matemático. O primeiro caso, não é por vezes possível ou viável restando-nos o segundo, que por sua vez apresenta fre­quentemente sérios problemas. De facto, muitos fenómenos físicos são representados através de equações diferenciais cuja solução não conseguimos obter de forma analítica. Aliás, os métodos e técnicas actualmente conhecidos aplicam-se apenas a um reduzido número de situações e assim, sempre que tal não acontece, diz-se estarmos perante situações de não-linearidade.

Ora é sobre alguns sistemas dinâmicos não-lineares que a Ciência do Caos se debruça. De entre estes, há os que possuem um comportamento estável, ou seja, quando submetidos a pequenas variações, produzirão igualmente pequenas diferenças no seu comportamento. O mesmo é dizer que se cometermos pequenos erros nas medições que fizermos sobre esse tipo de sistemas, eles reflectir-se-ão de uma forma desprezável durante a sua evolução. Sabemos por exemplo, que desde há muito que é possível prever com rigor a data de ocorrência de eclipses com centenas de anos de avanço. Porém se o pretendermos fazer com sistemas instáveis, como por exemplo com dados meteorológicos, ao fim de poucos dias, essa previsão será de tal modo diferente da realidade que podemos ser levados a pensar que o sistema possui alguma componente aleatória. No entanto, à luz desta nova perspectiva, o sistema é apenas 'caótico' e o conceito de aleatoriedade, tal como estamos habituados a encará-lo, não se aplica, preferindo-se o de dependência sensível das condições iniciais. Assim, o que se verificaria numa previsão meteorológica, seria o da amplificação exponencial dos erros que conduziria ao fim de pouco tempo a enormes discrepâncias entre a realidade e essa mesma previsão.

Poderemos até dizer, que mesmo que conhecêssemos com um enorme rigor o valor de todas as condições iniciais, ainda assim, haveria sempre lugar para a propagação de pequenas imperfeições que pelo facto de o sistema ser caótico, acabariam por tomar proporções significativas. O princípio de que sistemas determin­istas simples podem comportar-se de forma imprevisivel ou apa­rentemente aleatória, é pois o principal pilar daquilo que é conhecido como ‘Caos determinista’.

Debrucemo-nos agora sobre algumas das outras contribuições destes conceitos para a Ciência em geral. Assim, somos levados a concluir que nos encontramos à partida limitados quanto à profun­didade com que poderemos vir a conhecer este tipo de fenómenos, por outro, dá-nos a esperança de poder vir a encontrar ordem onde até agora víamos apenas imprevisibilidade. Devemos no entanto, ter presente, que só pelo facto de sabermos que um determinado fenómeno possui um comportamento caótico, isso não nos torna a previsão do seu comportamento, de uma forma directa, mais fácil, mas poderá ser de uma importância inestimável para a sua compreensão. Convém ainda distinguir entre fenómenos caóticos, e aleatórios ou simplesmente constituídos por ‘ruído’. Assim, surgem técnicas matemáticas e estatísticas, algumas bastante curiosas, cuja explicação excede o âmbito deste artigo, e que se destinam a, face a um conjunto de valores experimentais, detectar a existência ou não, de uma ‘ordem caótica’ subjacente.

Imagine-se o exemplo de um jogo do qual não conhecemos as regras e que portanto, faria os movimentos dos jogadores, parecerem destituídos de sentido a quem os observasse. Se porém, as regras forem conhecidas, os movimentos passam a ter sentido, o que no entanto, não permite de uma forma directa, a sua previsão.

Outro facto a ter em consideração é o de que o próprio método científico é num caso destes afectado. Uma vez que as previsões a longo prazo são impossíveis, não devemos testar a validade de uma determinada teoria por comparação entre os va­lores obtidos teóricamente, e os experimentais, como é prática corrente, mas antes, deveremos debruçar-nos sobre as características gerais do sistema em causa, numa perspectiva geométrica e estatística.

Uma outra prática comum em Ciência, é a de encarar os siste­mas em estudo numa perspectiva reducionista, ou seja, consideran­do que este pode ser dividido em múltiplos subsistemas em que o todo, será a soma das partes que o constituem. O Caos vem pôr em causa esta perspectiva afirmando que mesmo sistemas aparentemente simples e de pequena dimensão, podem ter um comportamento imprevisível,o que se reflectirá  no comportamento do sistema global em que se encontram inseridos.

A fim de melhor ilustrar as ideias anteriores, vamos de seguida analisar um caso simples, considerando a seguinte equação :

 

PN+1=rPN(1-PN)

 

Esta fórmula pode ser um modo simplista de representar o crescimento de uma população animal, em que 'P' é a percentagem (normalizada entre 0 e 1) de indivíduos, relativamente a um valor imaginário (1) considerado como de alguma forma, um limite supe­rior do crescimento dessa população, e 'r' uma constante que pode por exemplo representar a influência da quantidade de alimento disponível nesse ecossistema.

É uma fórmula iterativa em que o resultado de um cálculo é de seguida usado como valor inicial dessa mesma fórmula. De acordo com o quadro 1, podemos ver que para r=0.5, essa população teria tendência para desaparecer, uma vez que 'PN' tende para zero à medida que 'N' cresce. Para r=1.5 ou r=2.0, teria igual­mente tendência para estabilizar, mas desta vez num determinado valor superior a zero, independentemente do valor inicial, constituindo o que os cientistas do Caos gostam de chamar um 'atractor estranho'. Para valores de r=3.1 e r=3.5 a tendência, é  desta vez para PN oscilar entre respectivamente  2 e 4 valores. Finalmente para r=4.0 e r=4.5, o sistema torna-se imprevisível e caótico.

 

PN+1 = r Pn (1-PN)

 

┌───────┬──────┬──────┬──────┬──────┬──────┬──────┬──────┐

│  r    │ 0.5  │ 1.5  │ 2.0  │ 3.1  │ 3.5  │ 4.0  │ 4.0  │

├───────├──────├──────├──────┤──────┤──────┤──────┤──────┤

│ PNinic.  │ 0.5  │ 0.5  │ 0.5  │ 0.5  │ 0.5  │ 0.5  │ 0.51 │

└───────├──────├──────├──────├──────├──────├──────├──────┤

│0.125 │0.375 │ 0.5  │0.775 │0.875 │1.000 │1.000 │

├──────├──────├──────├──────├──────├──────├──────┤

│0.055 │0.352 │ 0.5  │0.541 │0.383 │0.000 │0.002 │

├──────├──────├──────├──────├──────├──────├──────┤

│0.026 │0.342 │ 0.5  │0.770 │0.827 │0.000 │0.006 │

├──────├──────├──────├──────├──────├──────├──────┤

│0.013 │0.338 │ 0.5  │0.549 │0.501 │0.000 │0.025 │

├──────├──────├──────├──────├──────├──────├──────┤

│0.006 │0.335 │ 0.5  │0.768 │0.875 │0.000 │0.099 │

├──────├──────├──────├──────├──────├──────├──────┤

│0.003 │0.334 │ 0.5  │0.553 │0.383 │0.000 │0.357 │

├──────├──────├──────├──────├──────├──────├──────┤

│0.002 │0.334 │ 0.5  │0.766 │0.827 │0.000 │0.918 │

├──────├──────├──────├──────├──────├──────├──────┤

│0.001 │0.333 │ 0.5  │0.555 │0.501 │0.000 │0.302 │

├──────├──────├──────├──────├──────├──────├──────┤

│0.000 │0.333 │ 0.5  │0.766 │0.875 │0.000 │0.843 │

├──────├──────├──────├──────├──────├──────├──────┤

│0.000 │0.333 │ 0.5  │0.556 │0.383 │0.000 │0.530 │

├──────├──────├──────├──────├──────├──────├──────┤

│0.000 │0.333 │ 0.5  │0.765 │0.827 │0.000 │0.996 │

├──────├──────├──────├──────├──────├──────├──────┤

│0.000 │0.333 │ 0.5  │0.557 │0.501 │0.000 │0.015 │

├──────├──────├──────├──────├──────├──────├──────┤

│0.000 │0.333 │ 0.5  │0.765 │0.875 │0.000 │0.058 │

├──────├──────├──────├──────├──────├──────├──────┤

│0.000 │0.333 │ 0.5  │0.557 │0.383 │0.000 │0.220 

└──────┴──────┴──────┴──────┴──────┴──────┴──────┘

 

Quadro 1

 

O diagrama da figura 1, conhecido pelo nome de bifurcação, mostra o que acabámos de dizer. Este diagrama pode ser obtido da seguinte maneira : Escolhe-se um qualquer valor entre 0 e 1 para 'PN' e um valor concreto para 'r' que constitui o valor a anali­sar. Seguidamente, resolve-se a equação obtendo um determinado PN+1que será de seguida usado como sendo PNrepetindo-se esta operação,digamos 200 vezes, por forma a eliminar os valores transientes. Agora, para um determinado valor de r, nas abcissas, marquem-se os sucessivos valores que PN irá tomar, nas ordenadas, para as seguintes, digamos, 300 iterações.

Assim, se PN tiver tendência para estabilizar num determina­do valor, marcaremos o ponto correspondente 300 vezes, se pelo contrário, forem sendo sucessivamente diferentes marcaremos tantos, quantos os diferentes valores de PNFinalmente, repetir-se-ia a operação para sucessivos valores de r. Para r=3.5, como foi referido, PN oscilará em torno de 4 valores pelo que marcar­íamos os 4 pontos, 75 vezes cada um. Este seria o método a usar, se quiséssemos utilizar um computador para o fazer. Obviamente que, caso o leitor optasse por fazê-lo à mão, bastaria marcar cada ponto repetido apenas uma vez.

 

Diagrama de 'Bifurcação'

 

 

Note-se que a partir de certa altura, mais precisamente para r > 3.56994571869, podemos observar um amontoado de pontos sem nexo, vislumbrando-se por vezes zonas onde o sistema volta a ter um comportamento estável.

Há ainda dois aspectos interessantes e que vão ser alvo de desenvolvimento no próximo capítulo. O primeiro, é o facto de o diagrama possuir uma certa auto-semelhança. Repare-se que após a primeira bifurcação, surgem outras, formando uma série de 'montes', constituindo um padrão que se repete indefinidamente, e que de certo modo são iguais ao próprio diagrama considerado como um todo.

Quanto ao segundo, temos que, à medida que formos ampliando o diagrama, (através da diminuição dos intervalos de variação de r ePN)irão surgindo novos conjuntos de pontos não observáveis em ampliações menores.

O comportamento caótico deste sistema simples, constitui apenas um exemplo de um universo muito vasto de situações cujos princípios se assemelham a este. Nomeadamente, em vez de uma equação, poderíamos ter um conjunto de duas ou mais, como é o caso dosmapas de Hénon (tradução pouco correcta do inglês 'map' que entretanto se generalizou), que foram usadas por este astrónomo para representar situações tais como o movimento de asteróides. Poderíamos ainda envolver números complexos, funções trigonométricas e transcendentes, módulos e um sem número de outras formas que produzissem situações caóticas, reproduzindo-as em diagramas apropriados e que teriam uma coisa em comum, como veremos a seguir : o facto de serem fractais.