GEOMETRIA FRACTAL

 

 

 

...E também o mundo,

Com tudo aquilo que contém,

Com tudo aquilo que nele se desdobra

E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

 

Fernando Pessoa -   Poesias de Álvaro de Campos

 

 

Geometria Fractal versus Geometria Euclideana

 

Para melhor entendermos algumas das características da Geometria Fractal, comecemos por analisar resumidamente aquilo em que esta se opõe à Geometria Tradicional ou Euclideana.

Por um lado, já foi referido, a geometria euclideana existe há mais de 2000 anos enquanto que a fractal, com os seus princípios estabelecidos, não chega a 15.

Além disso, por vezes apenas de uma forma inconsciente,o conceito de escala está sempre subjacente à geometria tradicion­al, o que, como veremos,não acontece com a geometria fractal.

Um outro aspecto importante, está relacionado com o facto de a geometria fractal se adaptar bem à representação de objectos naturais. Assim, ao contrário dos objectos criados pelo homem que são caracterizados por possuírem linhas e ângulos rectos, círculos perfeitos etc., os objectos naturais, estão repletos de irregularidades, assimetrias e 'imperfeições', factos estes, que a geometria fractal tanto tem em conta.

Deve ainda ser referida a particularidade de a geometria euclideana se servir normalmente de fórmulas e equações para se exprimir, enquanto que a geometria fractal, prefere os algoritmos e as fórmulas iterativas, pelo que está intimamente ligada à utilização dos computadores como ferramenta indispensável.

 

 

 

 

Noção de Dimensão Fractal

 

 

O nosso senso comum leva-nos a considerar que os vários objectos que observamos podem ter uma, duas, ou três dimensões, e estamos ainda habituados a considerar o tempo como uma quarta dimensão. Assim, se formos confrontados coma noção de uma dimensão não inteira, digamos 1.2 ou 2.3, o mais natural é que não só não nos demos imediatamente conta do que se trata, como podemos sentir até alguma desconfiança. É essa a noção que vamos agora introduzir.

Para tal, associemos a ideia de uma dimensão a por exemplo, uma linha, duas dimensões a um quadrado, e três a um cubo (fig. 2), tal como é nosso hábito, e analisemos o que se encontra por trás dessa noção intuitiva.

 

 

 

Se dividirmos uma determinada linha em N partes idênticas, estaremos indirectamente a obter N cópias da linha original reduzidas à escala de b = 1/N. De forma semelhante, para um quadrado, se o dividirmos em N partes semelhantes, estaremos desta vez a reduzi-lo à escala de b = 1/ÖN ou seja, um quadrado reduzido à escala de 0.5, possuirá um quarto da área inicial. No caso do cubo, raciocíonio semelhante, leva-nos a concluir que, ao dividi-lo em N partes iguais, estamos a reduzi-lo a uma escala de b = 1/3ÖN, permitindo-nos estabelecer informalmente que b = 1/DÖN em que D representa a dimensão do objecto, nomeadamente uma fractal, pode ser dada por

log N

D =  ----------       

log (1/b)

 

Olhemos agora para a fig 3. Imaginemos uma linha que ao ser dividida em três partes mantêm as suas características de dimensão 1. No entanto, se substituirmos o seu terço médio por dois segmentos de igual tamanho ao segmento anterior(fig. 3.a), ficamos com uma figura que possui 4 segmentos, cada um com 1/3 do comprimento original da linha. A relação com o que dissemos inicialmente é directa. Se reduzirmos esta figura a uma escala (b) de 1/3, obteremos 4 segmentos idênticos (N) e teremos portan­to D = log4/log3 = 1.26 (fig. 3.b), tal como em fig. 3.c e 3.d em que D = log16/log9 e D = log64/log27, respectivamente.

 

 

Curva de von Koch

 

Como que poderíamos dizer que a curva é mais 'cheia', 'ocupando mais espaço' que uma linha de dimensão 1, mas não tanto como uma área fechada de dimensão 2. Poderíamos ainda arranjar uma série de outros exemplos que nos conduzissem a dimensões não inteiras.

Surge-nos desde logo um problema : como calcular a dimensão de um qualquer objecto, tendo em conta que só raramente poderemos explicitar de uma forma tão clara a sua escala e a semelhança entre as partes que o constituem. Para isso, necessitaremos dos conceitos abordados na próxima secção.

 

 

 

Auto-semelhança, Invariância de Escala e Detalhe Infinito

 

Como foi referido, uma das características dos fractais, é a sua auto-semelhança. Voltemos a servir-nos do exempo da curva de Koch. Como já nos apercebemos, o cojunto total é constituído por pequenas réplicas desse mesmo conjunto e é básicamente neste princípio que assenta o conceito de auto-semelhança, ou seja, qualquer que seja a ampliação considerada, obteremos sucessivas cópias do objecto inicial. Convém agora distinguir dois tipos diferentes de auto-semelhança : a exacta e a estatística. No caso da curva de von Koch, a auto-semelhança é exacta uma vez que as réplicas que vamos obtendo, são de facto perfeitas. Podemos no entanto, imaginar determinado tipo de figuras que ao serem am­pliadas apresentem uma semelhança 'estatística', ou seja, uma semelhança que não sendo exacta, é porém do mesmo tipo, apresen­tando os mesmos padrões, no fundo, imagens que possuem as mesmas características em termos gerais.

A auto-semelhança exacta é óbviamente um conceito artifi­cial, pois não é possível encontrar na Natureza, objectos rigoro­samente iguais a si-próprios. Apenas em termos abstractos podemos conceber tal situação. O mesmo já não se pode dizer em relação à auto-semelhança estatística, que não sendo também verdadeiramente real, pois estamos limitados quanto mais não seja pela escala atómica, encontra boas aproximações em formas naturais.

No caso de determinadas árvores, por exemplo, podemos encon­trar uma certa semelhança entre as pequenas folhas que constituem um pequeno ramo, que por sua vez, constitui conjuntamente com outros, ramos maiores e que assim sucessivamente irão gerar uma árvore que afinal não é muito diferente do raminho inicial.

Uma vez que os fractais, são gerados por algoritmos matemáticos, são por definição infinitos, uma vez que podem ser tão detalhadas quanto quisermos, bastando para isso aumentar o número de iterações a efectuar. Assim, qualquer que seja o número de ampliações de um determinado objecto fractal, nunca obteremos a 'imagem final', uma vez que ela poderá continuar a ser infini­tamente ampliada. Imagine-se uma espiral abstracta à qual tenta­mos inglóriamente encontrar o seu ponto central.

A partir das noções de auto-semelhança e de detalhe infinito podemos retirar ainda o conceito de invariância de escala. Esta é uma outra característica dos objectos fractais. Não podemos portanto, através de uma simples observação, determinar a sua escala, pois após sucessivas ampliações, o objecto final confun­dir-se-á com o inicial, uma vez que existe entre os dois uma semelhança estatística.

 

 

 

Determinação da Dimensão Fractal

 

Um dos exemplos que contem em si os conceitos atrás referi­dos é o do comprimento de uma linha de costa, sobre o qual nos debruçaremos a seguir, e que servirá principalmente para ilustrar os métodos de determinação dos valores de dimensões não inteiras, como foi referido.

Este problema interessou de maneira particular Mandelbrot, pelo que terá provávelmente contribuido para estabelecer algumas das bases da geometria fractal.

Imagine-se uma vulgar linha de costa de um país. Podemos considerar que possui um grande número de características frac­tais. É estatísticamente auto-semelhante, apresentando o mesmo tipo de padrão para varias escalas, é constituído por formas rigorosas e irregulares e só dificilmente poderá ser descrita através de equações matemáticas tradicionais.

Ao tentarmos medi-la, obteremos diferentes valores conforme a escala que usarmos. Se usarmos um compasso com uma grande abertura obteremos um valor inferior do que se tivéssemos usado um de menor abertura, uma vez que passaríamos por cima de inúmeros detalhes. A medida que reduzissemos a abertura do com­passo, obteríamos um valor cada vez maior. Seja como for, o comprimento aparente obtido, será sempre o resultado do produto da abertura do compasso (L) pelo numero de medições (N) ou seja, Comp. = L x N.

Empregando a notação anteriormente utilizada, se considerar­mos Lmáx como sendo o comprimento máximo que uma determinada curva auto-semelhante pode possuir, então L = b x Lmax   e b  = L/Lmax  em que b  < 1  e teríamos então N = 1/bD  segmentos pelo que :

 

Comp. = L x N  = L x 1/bD  = L x 1/(L/Lmax)D  =

 

= L x (Lmax/L)D  =  (Lmax)D / LD-1 

 

e uma vez que Lmax é uma constante, podemos dizer que

 

1

Comp.  a  ------

LD-1

 

Isto leva-nos à importante conclusão de que os comprimentos obtidos para diversas aberturas do compasso, estão directamente relacionadas com a dimensão da curva que estamos a medir, o que nos sugere a utilização do seguinte método prático.

Usando uma escala logarítmica, marquem-se os sucesivos valores de 1/L versus os de Comp.. Obteremos uma linha recta cujo declive será igual a  D-1, tornando  D  de cálculo imediato.

Baseado neste princípio, poderemos imaginar um outro método que consistiria em cobrir a curva fractal com uma grelha de quadrados de lado L, contando o nùmero de quadrados contendo parte dessa curva, e repetir a operação para diferentes valores de L, bem como para diferentes pontos de origem dessa grelha e teríamos

1  

Nquad(L)  a   ------

LD

 

Há no entanto que ter em consideração que estes métodos podem conduzir a medições com erros significativos pelo que existem uma série de outros, alguns bem complexos e envolvendo tecnologia sofisticada apresentando cada um as suas vantagens e inconvenientes conforme a especificidade de cada caso.